A história do Seria Para Você.
Quando meu pai foi embora, o sentimento de abandono cobriu nossa casa. Aos 16 anos, eu ainda não tinha meu primeiro emprego, meus irmãos eram crianças e minha mãe tinha que se virar como torcedeira em alguns bicos por algumas tecelagens. A pensão veio apenas no primeiro mês. Depois disso, víamos as dificuldades surgindo e quase nos afogando.
Eu, com toda uma vida pela frente, talvez pensasse, sem pensar, que a vida estivesse no fim. No fim das perspectivas, pelo menos. Perspectivas que, para um garoto, envolvia muita coisa, inclusive os seus sentimentos.
Talvez em uma necessidade de deixar o meu pequeno legado de memórias de apenas alguns anos de vida, comecei a escrever o meu primeiro livro. Seria Para Você. Seria, porque eu imaginava que nada poderia oferecer, não tinha o direito de roubar sonhos ou o amor de nenhuma garota interessada em mim. O futuro eram páginas em branco à minha frente. E na mesa da cozinha onde eu escrevia minha história na máquina de escrever, minha mãe passava roupa ao lado, cozinhava e aguardava oportunidades de trabalho.
Em dois meses escrevi o meu primeiro livro. A luta entre o coração e o cérebro. Me lembro que fiz a capa do livro com um desenho assim, coração e razão em luta. Depois, escrevi a continuação da história, não mais uma história autobiográfica, mas pura ficção.
Meu professor de Português do Polivalente, o querido Chico, soube do meu livro, leu e encaminhou para a diretora da escola, a rígida dona Ruth. Que achou sensacional um aluno de escola técnica escrever um livro aos 16 anos. Ela tinha amizade com o saudoso Caio Graco Prado, dono da Editora Brasiliense, colocou uma funcionária da escola para datilografar uma cópia e encaminhou meu manuscrito.
Rapidamente, Caio Prado começou a trocar correspondências comigo. Dando orientações, dicas preciosas e me incentivando a escrever. Escrevi mais três livros, ele sempre elogiando, mas dizendo que eu ainda não estava pronto. Até eu escrever o Fruto Disso Tudo. Ele gostou, mas disse que a editora acabava de publicar um tal de Marcelo Rubens Paiva, o Feliz Ano Velho, que também falava da ditadura civil-militar e não haveria espaço para mais uma obra sobre o mesmo assunto.
Apesar da recusa, achei que o livro estaria pronto para ser publicado. Graças ao apoio da Tecelagem Oyapoc, o livro foi publicado e, à época, em 1987/1988 o livro fez relativo sucesso e até hoje muita gente ainda se lembra e cobra uma segunda edição.
Porém, a dificuldade em se vender um livro de um autor independente, a necessidade de trabalho, dar atenção à família, filhos, carreira profissional, me levaram a parar de escrever romances. Dava vazão à minha necessidade de escrever compondo crônicas sobre futebol e política, sempre com personagens. Até parar de vez.
A angústia por não escrever, no entanto, sempre me consumia. Mas, não priorizava a escrita e minhas histórias ficaram para trás. Até que entramos na pandemia, tudo parou, muitas prioridades se reorganizaram na vida das pessoas e eu, finalmente, tive uma chance para voltar a escrever. Tinha tempo e não teria mais desculpas.
Mas, não tinha uma história para contar. Como estratégia, pensei em reescrever os meus livros da adolescência. E me pus a fazer uma reedição do Fruto Disso Tudo, acrescentando cenas e excluindo o que eu não gostava. E tinha a intenção de reescrever o Seria Para Você, o meu primeiro livro, o meu xodó. Não encontrava uma forma de como fazer, até que, no dia da morte do compositor Ennio Morricone, quando suas composições maravilhosas foram tocadas em todos os lugares, eu, ouvindo Your Love, tive o insight que eu tanto buscava para reescrever o Seria Para Você.
Em um milésimo de segundo, passou por mim a imagem de um homem de meia-idade, solitário, que nunca conseguiu se relacionar com seus amores ao longo da vida, preso em seu primeiro amor. Mas que, em uma situação do destino, ele conhece uma jovem que o faz se lembrar de seu primeiro amor. Ele se apaixona por ela, projeta nela suas questões não resolvidas, e, sem perceber, sai em busca da cura de suas emoções através dessa jornada de conquista.
Assim, recriei o Seria Para Você. A história daquele garoto agora poderia ser a história de um homem maduro, meia-idade, mas ainda a história daquele garoto.
Embora autobiográfica, a história é muito mais ficcional, sem relação a fatos. Mas talvez a emoções e sentimentos. Sentimentos que procurei descrever como homenagem e respeito aos que todos nós sentimos ao longo das fases de nossas vidas.
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