Aos sábados, geralmente, damos um jeito na vida. Alguns arrumam a casa, outros lavam o carro, outros vão às compras, ao eletricista, consertam o telhado da casa. Alguns tiram o dia para um passeio.
Mas, para Ana, foi em um sábado que ela perdeu a vida. Perdeu com a morte absurda do marido. Não tivesse ela saído antes dele; não tivesse ela telefonado pedindo ajuda; tivesse ela esperado um ou dois segundos. Tivesse ela tropeçado nas sílabas e se enrolado ao chamar o esposo, seus sábados continuariam vivos como antes.
Em uma narrativa intimista, em fluxo de consciência que jorra pelas páginas, por anos ela quer entender e aceitar o luto. Muitos são os culpados, muitas são as não-razões, muitas são as sílabas que não conseguem explicar.
A premiada Mariana Salomão Carrara nos surpreende com sua linguagem e suas observações. Picardia, humor negro, comparações exageradas, cansaço e exaustão, medo e solidão, luto e incompreensão. Com todas as sílabas, Mariana consegue descrever a dor da ausência, a incompreensão do luto, a perda que não se aceita, a vida que segue adiante, mas destruída, faltando um pedaço, faltando sílabas.
Hoje mesmo, enquanto escrevo, há uma manhã linda, ensolarada e até agora silenciosa de sábado. Enquanto escrevo não penso no luto, mas pessoas muito próximas sofrem com ausência de entes queridos e uma manhã ensolarada, convidativa para um passeio, pode aquecer o luto em saudades ou em arrependimentos.
Tenho preocupações quanto a isso. Se um dia deixarei saudades ou arrependimentos. Há não muito tempo, o sábado era o dia de levarmos as crianças para almoçar com os avós. Os avós se foram e até hoje essa ausência deixa um hiato bem no meio do sábado. Lacunas que se repetem em datas de aniversários, natais e ano novo. Talvez um dia, quem sabe eu seja o avô a preencher o sábado e os natais, mas hoje ainda não.
Sílabas do meu sábado muitas vezes me incomodam porque avisam que o dia do descanso chegou e há muito que se pode fazer lá fora ou aqui mesmo. Tem cidadezinhas, tem esporte, tem cultura, tem comidinhas, tem riachos e água fresca. Tem gente nova, livros, música e poesia. E nem sempre me dou o direito de me encontrar com esses pequenos prazeres.
Confesso que não entendi exatamente o que Mariana Carrara quis dizer com o título do seu livro Não fossem as sílabas do sábado. Talvez sílabas do sábado seja uma sofisticada onomatopeia para a batida do coração. Porque de nada adianta o sábado ser o dia do descanso, se eu não aprender a descansar o meu coração.
Principalmente nos sábados ensolarados, de céu azul, clima fresco do outono, sons de pássaros ao longe. Há dias em que o dia se abre em vida. E convida desde cedo a se guardar o luto, tanto o luto das perdas como o luto dos arrependimentos, e
o luto do tempo perdido. Mas a guardar o luto das perdas dos entes queridos na caixa do respeito e o luto dos tempos perdidos na caixa do autoperdão.
E aprender a descansar nas sílabas do sábado.
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