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Não há verdade na solidão

Gabriel Garcia Marquez disse uma vez que o tema de todos os seus livros era a solidão. Cem Anos de Solidão é o clássico atestando o tema de sua obra, o meu livro preferido e mais querido. A solidão como uma maldição que alcança gerações e famílias.


Meu personagem Moisés de Seria Para Você (Editora Pedregulho) abre sua história contando sobre seus anos de reclusão dizendo que não há verdade na solidão. Sempre ouvi dizer que é na solidão ou quando estamos sozinhos que encontramos nossa verdade ou quem realmente somos, sem máscaras, sem os disfarces das convenções sociais, familiares ou obrigações profissionais.


Mas, Moisés, em sua solidão, se depara com a melancolia, separação da vida, esquecimento das memórias e sem algum caminho definido para percorrer até que um evento inesperado o desperta a ingressar em uma jornada de autodescobertas e reconciliação consigo mesmo que o leva a reafirmar que não há verdade na solidão.


Pela admiração a obra de Gabo, li o seu livro póstumo Em Agosto nos Vemos. Está ali mais uma vez - uma última vez -, a solidão convivendo com uma mulher que se isola todo mês de agosto para visitar o túmulo de sua mãe em uma pequena ilha do Caribe. E em cada um desses encontros com a efeméride ela se encontra com a fantasia de um encontro furtivo com um homem desconhecido para depois regressar à sua vida de casada, mãe e mulher comum.


No entanto, não sei se eu estava enferrujado em Garcia Marquez, não senti na leitura o toque mágico da fantasia de seus textos que tanto nos leva ao encantamento. Achei um texto frio, tirado e escrito a fórceps, como o foi das gavetas de sua escrivaninha por seus familiares. Ele mesmo havia dado instruções para que o texto fosse destruído porque não estava acabado.


Para espantar esse sentimento, fui ler seu último livro publicado em vida, Memória

de Minhas Putas Tristes. Novamente, a solidão é a protagonista da história, agora representada por um senhor nonagenário que nunca se casou ou formou família, que vivia de escrever crônicas semanais para o jornal da cidade e comemorar seus aniversários no bordel.


Famoso por sua vida solitária ele, ao final da vida, no aniversário de seus noventa anos, conhece uma garota de quatorze anos por quem se apaixona perdidamente, colocando ao avesso todos os seus conceitos e convicções sobre os acertos de sua vida solitária até então. Após conhecer a menina virgem naquele bordel, a solidão não mais lhe bastava, ele desejava o amor, passou a cultuar e a curtir a paixão em acessos de fúria, desalento e tristeza. Tornava-se difícil a solidão até então companheira de quase um século.


Eram os cem anos de solidão em sua vida querendo dizer adeus, um basta diante da paixão.


Até hoje, algum tempo depois de ter escrito e publicado o meu livro Seria Para Você, não tenho uma conclusão se há ou não verdade na solidão. Na solidão nos encontramos com nossa verdade ou com nossas fantasias? A verdade são aquilo que fantasiamos ou a verdade é como nos apresentamos ao mundo cheio de gente?

É sabido que o escritor tem uma vida solitária. Pelo menos quando se põe a escrever, principalmente um romance. Ele se recolhe, se afasta da família, renuncia a filmes, seriados, passeios e jantares para dar cabo à sua obra, a vencer sua maratona de escrita. Mergulhamos em nossa história cheia de personagens, aventuras e fantasias.


Dizemos que tudo é ficção, invenção, história, mas há quem diga que sempre há uma dose de verdade no que escrevemos.


O escritor decide estar sozinho por um tempo para escrever. Acaba que estando sempre isolado em seus pensamentos e observações mesmo quando no meio da multidão, pois se vicia na busca de inspiração para seus personagens e suas histórias. Geralmente, se isola tanto que passa a temer o dia do lançamento do livro, pois quem ainda se lembraria dele?


No entanto, o leitor, outro solitário, muitas vezes não busca o autor, mas a história que lhe fará companhia e, quase sempre, o acalentará em suas verdades e fantasias. Feliz o autor cujos leitores procuram suas histórias.


A maldição da solidão tão abordada por Garcia Marquez ora retrata o autoabandono intencional, ora o fato de ser abandonado. Mas, sempre o personagem se apresenta de forma incrível, curiosa, cheio de manias, mistérios. Segredos. Fazem questão de mostrar que a vida em relacionamento passa e é afetada pela vida solitária, muitas vezes até em segredo, que o personagem vive e cultiva dentro de si.


Pessoas são julgadas, bajuladas, temidas ou respeitadas. A partir do olhar solitário. A partir das manias secretas. A partir das verdades que o solitário descobre com sua picardia e observações livres. Mas, ao mesmo tempo, também a partir do que esse solitário imagina, cria e fantasia sobre si mesmo e sobre o outro.


É a complexidade das relações humanas que se revelam em cada gesto, contido ou liberto, intencional ou espontâneo. Impulsionado pelo amor ou pela indiferença. Pelo menos nos dois últimos livros de Garcia Marquez os personagens buscam encontrar o amor. Amor que não conheciam ou até debochavam de sua existência. Até que a ele são apresentados.


É o amor que vem espantar a solidão; é a solidão que vem enfeitar o amor. O amor não correspondido que se leva à solidão. O amor correspondido que também leva à solidão. Mitos, fantasias e verdades e mentiras convivendo nas relações, nos sentimentos. A obra do realismo mágico. A vida dos que vivem.


Mesmo após ler Cem Anos de Solidão e os dois últimos livros de Gabo; mesmo após ter escrito meu personagem Moisés, em sua jornada solitária pela autodescoberta, ainda a pergunta me intriga e não tenho respostas, até por que não pergunto também:

Afinal, há ou não verdade na solidão?


(Agradeço sua leitura. Recentemente, lancei Carioba - As Tramas do Algodão, ficção histórica onde também exploro a complexidade das relações humanas. Dá uma espiadinha na Amazon para conhecer a obra!)



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