Meu pai tinha vários irmãos. Mas, era o tio Mílton o seu irmão preferido. O mais chegado, sempre juntos, quase cúmplices um do outro.
Lembro que meu pai gostava de contar estórias do meu tio. Pequenas conquistas que o alegravam e o orgulhavam muito. Parecia que um ajudava e incentivava o outro. Não me esqueço da fala mansa, pausada e sempre cheia de sonhos, projetos e planos do meu tio.
Lembro muito bem de seu tempo de garapeiro, aquela Kombi estacionada ao final da avenida, o melhor ponto da cidade, moendo a cana naquele pequeno engenho. Quando ligava o moedor de cana, era como ouvir uma música que tocava. Por alguns momentos, o mundo parava, eu ficava preso e mergulhado naqueles instantes entre o ligar o engenho, o pequeno tranco, o motor funcionando e o caldo de cana pingando no copo de alumínio.
Mas, uma lembrança curiosa sempre me vem à mente.
Antes de ser garapeiro, meu tio teve um Gordini. Acho que era amarelo, algo parecido. Quando todos andavam de opalas, del reys, passats, ele tinha o seu Gordini. Meu pai acho que invejava, porque um dia quase comprou um Gordini, mas não o fez. E meu pai uma vez disse, à mesa da copa lá de casa:
— Acredita que o seu tio deixa o Gordini na rua, com a porta destravada e os vidros abaixados? Eu falo que é perigoso, mas ele diz que não tem perigo. Que ninguém vai querer roubar um Gordini.
Quando o meu tio faleceu, meu pai se sentiu muito só. Parece que faltava um pedaço de chão para ele em todo o tempo. Não demorou muito, meu pai também partiu. Encontrou com seu melhor amigo, com certeza. Talvez viajem pelos céus em um Gordini amarelo e ainda façam muitos planos e tenham muitos sonhos onde estão. Unidos pelo amor e amizade entre irmãos.
A essência que eles sempre tiveram e nunca perderam. Porque nunca ninguém roubou aquele Gordini.
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