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Foto do escritorghackmann

O peso do não-dito


Conheci Aline Bei em uma roda de conversa que ela fez no SENAC de Americana. Até então, não havia lido seus livros. Vendo aquela mulher pequena-menina, simpática, atenta e doce na precisão de seu entendimento sobre a escrita e de como ela se vê como escritora, me impressionei pela maturidade e leveza juntas em uma mulher tão jovem.


Na Flip de 2023 até consegui tirar uma foto com ela!


Li a Pequena Coreografia do Adeus, livro de uma profundidade de alma, onde ela consegue escrever sensibilidade em todas as páginas. E um final que cala o coração.


Quando li O Peso do Pássaro Morto percebi que a escrita de Aline ainda não tinha a mesma maturação que ela encontra no Pequena. Porém, a busca por contar a sensível relação entre filha e mãe ela já deixa em todo o livro. E depois, no não encontro da relação da personagem mãe com seu filho.


O momento em que a mãe se enfurece com o filho pequeno por ter matado um pássaro e deixá-lo em suas mãos para brincar de velório é o instante que define as emoções e o sentido da vida da personagem. Não se imagina o que virá depois, mas se percebe que ali aquele pássaro morto será o peso de uma existência de culpa, de desencontros, de não-ditos aos entes mais queridos.


Amanhã é dia das mães. Minha mãe partiu com 84 anos, não faz muito tempo. Porém, foram nos seus últimos 20 anos que eu mais me senti próximo a ela, sem barreiras invisíveis, sem entender o que nos separava atrás de emoções não entendidas.


Minha mãe sempre contou que, durante a gravidez, meu pai a forçou a abortar. Ela contava que fez de tudo, tomou remédios caseiros, chás, essas coisas, mas eu acabei nascendo. Para sua alegria e tanto orgulho. Para sua vitória.


Porém, foi apenas já adulto que, um dia, eu entendi que precisava liberar perdão sobre aquele fato. Eu ainda feto já tinha emoções represadas, não-ditas, não compreendidas. E desde então, uma barreira invisível nasceu entre mim e minha mãe.


Eu nasci com o peso de um pássaro morto entre nós.


Quando eu compreendi que aquela história que ela contava de vez em quando tinha muito peso sobre o meu relacionamento com ela e liberei perdão genuíno, a barreira invisível sumiu e, com isso, o pássaro renasceu e voou.


Nunca contei essa experiência a ela. Ela também nunca entendeu aquela experiência como algo que extrapolasse apenas os limites de uma ação ignorante ou de submissão ou medo a um homem, marido. No entanto, a barreira emocional que eu deveria ter com meu pai, eu tinha com minha mãe.


No Peso do Pássaro Morto, Aline Bei retrata o peso daquele dia em que uma mãe deu um tapa no rosto do filho pelo pássaro morto. A mãe não batia no filho, batia em suas angústias, frustrações e ressentimentos. Batia em uma vida que não estava sendo como ela queria.


Porém, aquele gesto se tornou o peso de sua vida. Carregou a culpa até o fim e não encontrou o perdão do filho, nem o perdão da vida.


No meu caso, minha mãe não ouviu o perdão de mim. Mas, procuro me consolar que ela tenha encontrado o perdão pela vida, quem sabe em algum momento em nosso relacionamento nos seus últimos vinte anos.


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