Sempre me disseram que eu tenho cara e jeito de sério e muito bravo. Sei de pessoas e colegas de trabalho que não chegavam perto de mim por receio ou porque sentiam uma barreira ranzinza que os impedia de se aproximarem.
Cheguei algumas vezes a ouvir alguém dizer, depois de me conhecer um pouco: “puxa, você é um cara legal, não pensava assim de você”.
Calma, esse não é um post de autoajuda…
Na semana passada, fiz um evento de lançamento do meu novo livro Carioba - As Tramas do Algodão e deixei sobre a mesa os meus dois outros já publicados: O Fruto Disso Tudo e Seria Para Você.
Apareceu um jovem que conversava sem parar, comia os salgadinhos, perguntava dos livros - e não ficou com nenhum deles - que desandou a filosofar sobre o sorrir para você. Depois de contar sobre sua infância e adolescência cheia de conflitos com o pai, ao começar a contar sobre seu tratamento psiquiátrico já adulto para superar a ausência do pai, foi que eu percebi que ele estava contando sobre a sua experiência da leitura do meu livro.
Na verdade, da leitura da capa. O Seria Para Você foi lido pelo jovem como Sorria Para Você. A história que seria para ele se transformou em um conselho para toda a vida: sorria para você.
Não devo ter esboçado um sorriso muito acolhedor ao perceber isso, mesmo com todos os elogios que o jovem fazia ao tema e ao nome do meu enganoso livro. Até fiquei analisando se a grafia do título estava embaçada mesmo. Talvez estivesse. O que me deixou menos sorridente ainda.
Mas, esse episódio me fez ficar pensando. Nas reuniões pelo zoom eu fico vendo minha cara e tento esboçar um sorriso ou uma postura mais agradável. Não ajuda muito. Enquanto o professor vai falando, eu vou me divertindo comigo mesmo. Invariavelmente, quando uma pessoa está falando, ela vai espalhando gatilhos de histórias pelo caminho, onde eu vou escorregando por alguns deles. Deixo de escutar e começo a imaginar situações e acontecimentos. Muitas vezes, até me divertindo.
Acho que entro nesse processo de sorrir para mim. Seria TDAH um sorriso para dentro?
Há muito tempo, quando eu ainda trabalhava em tecelagem, voltei a pé para casa fazendo companhia a uma moça que deixava a fábrica naquele dia. Ao nos despedirmos, ela disse uma frase que eu nunca mais esqueci:
“Você precisa soltar esse sorriso bonito que você tem”.
Lembro de ter ficado muito surpreso com o conselho. Até porque, naquela época, eu não via muitos motivos para sorrir. A vida, dali em diante, por muito tempo, me atropelou com tantas obrigações e responsabilidades que eu não devo ter sorrido com espontaneidade muitas vezes. Mas, por dentro, no meu mundo particular, sempre sorri para mim. Seja jogando botão, seja torcendo para o Juventus da Mooca, seja escrevendo crônicas esportivas bem humoradas, seja sonhando com histórias que um dia iria publicar…
Sorrindo para mim, acabo levando a sério minhas brincadeiras. Jogando botão, montei uma equipe para disputar campeonatos federados e lutamos bravamente por 25 anos por um título de campeão que nunca veio; o meu time do coração deu muitas alegrias e angústias e meus personagens das crônicas no jornal me renderam bons leitores.
Eu sorrio para mim desde a ideia para um livro até o ponto final na última página. Se e quando publicado, é com frio na barriga que me forço a lembrar que preciso sorrir para receber os leitores. Parece que tudo é uma missão muito importante levando a uma expressão de seriedade.
Mas, não é. Só parece. Talvez o costume ou o hábito ou as circunstâncias me proibiram de sorrir abertamente. A falta de prática me fez carrancudo. Se pelo menos viesse a ser um dom casmurro… Mas, é sorrindo para você ou para mim, no caso, que conseguimos criar, escrever, imaginar, devanear.
Esses dias, pedi a uma amiga que perguntasse em seu trabalho se alguém teria interesse no meu livro. No dia seguinte, ela me respondeu que achava melhor que eu fosse até lá, pois com o meu sorriso, certamente, eu venderia alguns livros.
Na hora eu pensei: “nem sorrio”, mas talvez deixe escapar alguns sem perceber.
Porém, nestes dias de pós lançamento, recebendo os primeiros retornos dos leitores que já conseguiram ler meu livro, tenho sido massageado com muitos incentivos e palavras de carinho. Escondo a emoção, uma viagem instantânea por todo o processo da construção do livro e dos personagens percorre por mim e fico tentando entender a nova situação.
Quando sua história alcança as pessoas e elas leem e retornam com comentários generosos e elogios exagerados, é quando você percebe que a vida, o sonho, o leitor passou a sorrir para você.
Por isso, sorria para você e as pessoas também sorrirão para você.
Adorei o texto e confesso que também tenho dificuldade em sorrir, mas é um processo que estou tentando superar no dia a dia. Continue sorrindo!