A minha irmã conta que a senhora tinha uma xícara especial para cada visita. Só então eu percebi que a minha xícara também sempre era a mesma.
Nas noites em que eu ia visitá-la, encontrava a pequena mesa da cozinha já posta com um pão doce e uma xícara. A senhora, que me esperava na porta, corria fazer o café enquanto iniciávamos as amenidades. Enquanto preparava o café, a senhora sorria, abria gavetas da cozinha e pegava o coador, colher, açúcar, o pó do café. Como um ritual. Não mecânico, forçado, necessário. Mas como uma saudação, um desfrute daquele momento que seria muito pequeno para o que tinha sido uma longa semana sem nos vermos.
Na minha insensibilidade, nunca percebi que eu tinha uma xícara especial. Uma xícara que deveria ser separada só para mim, para mais ninguém. Na cristaleira, havia outras xícaras e canecas. E todas tinham alguém especial para o café. As amigas do círculo de oração, a vizinha, as visitas inesperadas, as noras, meus irmãos.
Eu não sabia que a amizade e a saudade e o carinho pudessem ser guardados numa cristaleira, protegidos por um vidro. Muito menos percebia que uma simples xícara ou caneca guardavam tanta consideração por alguém. Desfaleço ao imaginar quantas vezes a senhora deve ter lavado minha xícara apenas para tirar o pó. Invejo todas as que foram lavadas mais de uma vez durante uma semana.
Hoje, toda manhã quando faço o meu café, é inevitável lembrar do gesto da senhora em pôr o pó na cafeteira. Também sou canhoto e nesse mundo dos destros, deitar o pó no filtro se torna uma aventura para mim. Para a senhora, era uma arte de celebrar as visitas. Demonstrar o seu amor por mim e pelas pessoas.
Meu café não sai cheiroso como o da senhora. E o som da água quente evaporando ao sabor do pó também não é mais abafado pela sua voz que, mesmo de costas, não perdia tempo em contar as novidades ou falar dos mesmos casos de sempre.
Meu café se tornou silencioso. E agora, com a minha idade, sem açúcar. Ligo a TV enquanto bebo pela manhã, mas as notícias nunca são tão interessantes como as que a senhora contava. O meu café não sai gostoso como o seu e nem sempre tem um pão doce na minha mesa.
Mas hoje, percebi que tenho uma mania.
Em toda manhã, é sempre na mesma xícara que eu tomo o meu café e me lembro da senhora.
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