Recebi a newsletter do Pacotinho do Escritor da Ana Stokes com esse título e um texto tocante sobre a coragem de ser escritor.
Me identifiquei em muitos, se não todos, os aspectos dos medos e angústias e temores que invadem e sobrevoam a mente e o coração de um escritor. Penso que ainda mais escritores iniciantes como eu.
Por mais que a gente sonhe que o livro venderá milhões, será best-seller, ganhará prêmios, na verdade, nesta fase inicial da carreira, escrevemos para nossos leitores da família, dos amigos, dos colegas próximos. Escrevemos para quem nos vê com frequência, para quem convivemos, para quem nos conhece.
Ou nos conhece como o servidor público ou como pai de família ou como torcedor do Juventus. Como escritor ainda não nos conhecem.
Quando eu publiquei a 1a. edição de O Fruto Disso Tudo, no longínquo ano de 1987, nos meus 22 anos, um livro cujo protagonista é rebelde, fala palavrão, meio irresponsável com a vida, e abordando um tema pesado como a ditadura militar e as torturas que o regime impetrou, eu me lembro do sucesso que foi a noite do lançamento, da presença de dezenas de amigos da juventude, da militância política, da faculdade. Mas, um comentário em especial me marcou:
"Seu livro não tem nada a ver com você" - disse meu querido e amado pastor da igreja que eu começava a frequentar naquela época.
Me lembro que tomei um choque, não sei se de realidade ou de irrealidade. Mas, até então, desde os 16 anos, eu escrevera outros 4 livros, dezenas de crônicas sobre política e comportamento, poesias e achava que estava abafando. Talvez estivesse dado ao bom número de queridos e queridas que prestigiaram o lançamento do meu primeiro livro, e que veio a ser vendido mais de 700 exemplares em poucos meses. Mas, admito, aquele comentário de uma pessoa tão querida e respeitada por mim, me travou.
Sim, as dificuldades com vendas, oferecer o trabalho às pessoas, o temido trabalho de divulgação, a batalha de chamar a atenção de uma editora tradicional, etc, sim, tudo isso desanima, dificulta e impõe terríveis obstáculos ao escritor iniciante.
Mas, o choque de tentar digerir o que significa "seu livro não tem nada a ver com você" me paralisou por muitos anos, décadas. Por 35 anos eu deixei de escrever o que queria, rejeitei temas espinhosos na minha escrita, pensava e pensava muito se devia escrever esta ou aquela ideia, até que parei de escrever.
Dia após dia o desejo de escrever me perturbou. Dia após dia eu buscava e pedia a Deus uma ideia sobre o que escrever, um tema, um assunto.
Foram precisos três décadas e meia para eu entender que nem todos vão gostar do que eu escrevesse. 35 anos para eu entender que o livro tem seu público, que irá gostar ou não do livro e que tem muitos públicos que não são para aquele livro ou para aquela história.
Simplesmente não dá para escrever para todos os gostos, todos os públicos, todos os amigos.
Foram precisos três décadas e meia para eu entender que os personagens que eu crio não são a minha pessoa, por mais, é claro, que sempre algo de nós, das profundezas de nossa alma e sentimentos e dúvidas, são colocadas no papel nos personagens.
Mas, são personagens, não são como eu vivo ou me comporto. São personagens que tentam mostrar como eu vejo o mundo, como eu sinto as pessoas, como eu interpreto os fatos, como eu imagino as lacunas dos sentimentos e das histórias.
Ao voltar a escrever, em 2020, a primeira atitude que tomei foi reescrever o Fruto Disso Tudo. Sim, aquele livro escrito aos 22 anos poderia ser melhorado, ter uns furos corrigidos, concluir alguns arcos de personagens. Com o conhecimento que venho adquirindo em diversos cursos de escrita criativa e técnicas literárias, tentei melhorar a qualidade do texto daquele trabalho.
Mas, além disso, ainda com aquela sentença de que "o livro não tem nada a ver com você" eu excluí muitos palavrões do livro e atenuei algumas cenas mais fortes. Acho que o texto e o livro ficaram melhores, porém, dois amigos que eu respeito muito me disseram quando souberam da nova versão do Fruto Disso Tudo:
"Poxa, você não tirou os palavrões, não é?"
Esses são o público daquele livro. Uma amostra vinda dos próprios leitores para eu entender que o escritor tem seus leitores e tem também amigos e familiares que se alegram com as conquistas do amigo, mesmo que seja a publicação de um livro que não irão ler ou abandonarão a leitura, mas que se orgulharão de ter na estante de casa a lembrança de um amigo.
Com tudo isso na minha bagagem, essa semana faço o lançamento do Carioba - As Tramas do Algodão. Uma ficção histórica sobre Carioba, uma vila operária que existiu em Americana no século passado. Espero pelos amigos e familiares no lançamento, quem sabe alguns leitores a mais. Espero o carinho fraternal dos queridos. Mas, espero também comentários críticos sobre o livro, sobre a história, pois saberei que o livro foi lido.
E, vindo comentários bons ou ruins, a avaliação é sobre um texto, uma construção de personagem, a resolução de uma história fictícia, a qualidade de um trabalho. Não um julgamento sobre mim, muito menos sobre o meu sonho de ser escritor.
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