Sabe, mãe, logo vai fazer 4 anos e eu ainda não consegui escrever. Dói saber que esse artigo não será recortado, nem guardado para eu encontrar alguns anos depois.
Esses dias assisti a um episódio de This is Us, aquele onde Jack vai ao velório de sua mãe, que não a encontrava havia treze anos. Ao chegar a casa, após longa viagem, é surpreendido ao perceber que sua mãe passou muitos bons momentos, riu, se divertiu, viveu. Ela telefonava com saudades, perguntava sobre o casamento e os filhos, mas nunca revelou sua felicidade escondida.
A senhora também nunca me revelou sua felicidade escondida. Por mais que dissesse que eram os filhos e os netos, isso não conta para uma felicidade escondida. Nem o Palmeiras.
Quando busco na memória recordações da infância ou do tempo em que moramos naquela casa, não me vêm sorrisos ou gargalhadas. Me vêm sempre seu cuidado, suas preocupações, o peso dos dias futuros, as dores dos dias passados. Ao seu modo, éramos — eu e meus irmãos — forjados a sermos resilientes, sem ao menos nos atentarmos a esse significado. A felicidade aparente eram as pequenas conquistas, os elogios das professoras nas reuniões de pais, o orgulho das boas notas que a faziam sonhar em ter um “doutor” na família, o prazer de fazer aquela torta de banana ou o bolo de groselha no meu aniversário.
Como nos tornamos assim seria o caso de escrever muitas linhas. Mas, nessa primeira conversa que, finalmente, consigo ter com a senhora nesses quase quatro anos, eu sei que a felicidade se escondia em cada pequeno gesto na cozinha, na mesa, nas tarefas, em seus cuidados com todos nós.
Felicidades que a senhora cultivou bem dentro de nós, tão escondido ao ponto de sabermos, em nosso íntimo, que aconteça o que acontecer, tudo sempre dará certo.
Como uma felicidade escondida.
Gilberto Hackmann
/gilhackmann
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