Uma vez meu pai me chamou até a rua ao lado de casa, em frente à fábrica construída no quintal, e ali tinha um homem, o vendedor eu acho, e na rua, estacionados, um Fusca branco e um Gordini azul.
Meus olhos se encheram com a beleza e o charme daquele Gordini. Aqueles faróis redondos, espertos como o olhar de uma menina esperando a manhã de sábado para brincar no parque, me pegaram de jeito. Me lembro muito bem da emoção em rodear aquele carrinho, cheio de curvas e de cromados fascinantes.
Sem contar no orgulho que senti do meu pai em oferecer duas opções para o primeiro carro da família.
Foi tudo muito rápido, me parece. Do Fusca branco, lembro de relance, estacionado de costas para mim, ocupando bem espaçoso a sua vaga em frente ao salão. Lembro que aquele homem vendedor só tinha elogios para o Fusca, sua mecânica, seu valor de revenda, carro alemão.
Do Gordini não me lembro do que ele disse. Talvez dissesse que era um carro francês, fora de linha, fraco de motor. Para mim, não importavam as razões e os argumentos, a minha escolha eu tinha feito.
Então meu pai pediu para eu voltar para casa, que ele ia resolver com o vendedor. Voltei correndo, apressado — naquela época eu não tinha muitas amarras em meus pés e deixava a alegria me impulsionar — e devo ter voltado aos cadernos de escola.
Mas, sentado naquela mesa da nossa copa, com o caderno aberto à minha frente, eu só conseguia pensar na escolha do meu pai. Não demorou muito ele apareceu, com um molho de chaves na mão. Me levantei depressa, perguntei qual carro ele escolheu e ele contou que resolveu ficar com o Fusca.
“É mais confiável”.
É claro que fiquei contente pelo Fusca e pela satisfação do meu pai. Mas, aquele desejo de rodar as ruas com o charmoso Gordini nunca saiu de mim. Hoje, reflito que muitas vezes em minha vida estive entre um fusca e um gordini para escolher. Escolhas sempre difíceis. Mas escolhas que me levaram até aqui.
Só sei que, quem sabe, na próxima vez eu escolha o gordini.
Gilberto Hackmann
/gilhackmann
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