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Foto do escritorghackmann

RONNIE VON

A nossa TV não tinha controle remoto, mas já existia em mim a pilha que move o controle: o meu egoísmo.

Sempre me dói a lembrança de quando a senhora, vó, assistia ao programa do Ronnie Von que tanto gostava e eu, querendo ver o meu programa, impaciente, não aguentei, entrei na sua frente e troquei de canal. Minha mão tocou no televisor - aquele Teleoto pesadão e carrancudo - mudou o canal e eu só me lembro de seu lamento instantâneo:

— Ah, não!

E ainda bateu os pezinhos no chão.

Senti muita vergonha naquele momento e naquele átimo entendi muita coisa de uma vida de doação e de um pequeno tempo particular que cada um merece ter.

Não me lembro o que eu queria assistir, me lembro da dor que lhe causei. E no filme que passa em minha vida toda vez que eu ligo minha TV interna, percebo como aquele momento me ensinou tantas coisas.

A gente cresce vendo os avós e os pais correndo pela casa, entupidos de tarefas, trabalhando tanto, tanto que mal atinamos que eles não são feitos apenas de mãos ágeis, braços fortes e pernas incansáveis. O mais duro aprendizado é entender que trabalham pelo bem-estar dos outros, dos filhos, da família... por que simplesmente querem muito bem aqueles a quem amam. É a vida que se doa.

Não é a vida que passa; que escapa pelo tempo; que se perde em rotinas; vida não vivida por falta de viagens, passeios ou aventuras. É a vida doada.

É a vida gostosa do bolo de cenoura; é a vida cheirosa da camiseta da escola limpa; é a vida que surpreende com o lanche especial da tarde; é a vida que faz esquecer a dor com um chá de camomila ou com a receita secreta do xarope para gripe. É a vida que se come no arroz com feijão e na macarronada com molho de tomate.

Naquele momento que a senhora bateu os pezinhos no chão eu percebi a ingratidão que eu tinha. Mal acostumado pelo seu cuidado, como pude negar o seu programa do Ronnie Von?

Hoje, com tantas coisas que eu posso fazer e ser com o meu controle remoto, eu observo as pessoas e a vida que passa e penso comigo: “tudo é igual, mas estou triste, porque não tenho você perto de mim” (trecho de A Praça, sucesso de Ronnie Von).

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