Estou concluindo o segundo livro da série sobre Carioba. A história se passa no período de 1940 a 1944, ou seja, mergulhado nos cenários da 2ª guerra mundial que acontecia na Europa e aos poucos ia envolvendo o Brasil.
Encontrei poucos registros históricos sobre Carioba dessa época, que transitou entre a saída dos alemães da vila operária e a venda da fábrica de tecidos para os Abdalla.
Entendi que ficaria interessante ambientar o livro em razão dos acontecimentos e evolução da guerra. Afinal, Carioba era de propriedade de alemães e a grande maioria dos operários eram italianos ou descendentes. Alemães e italianos que lutaram unidos contra o resto do mundo na segunda guerra. Alemães e italianos que estavam unidos na primeira fase de Carioba, a vila operária que deu origem à vocação da indústria têxtil para Americana.
Para vivenciar o clima daquela época, gosto de ler romances que se passam naqueles anos. Li 1942, do Barone, que conta a saga dos expedicionários, os nossos pracinhas; li Mara, uma mulher que amava Mussolini; A Bibliotecária dos Livros Queimados e agora terminei de ler Todos os nossos ontens, da Natalia Ginzburg, Companhia das Letras.
O livro conta a história de uma família italiana anti-fascista que sofre as dificuldades impostas pela guerra, em que o pai e os filhos todos procuram viver intensamente seus dias em uma Itália com tantas dificuldades, carências e limitações impostas pelo regime e pela guerra.
Personagens marcantes como a senhora Maria, Cenzo Rena, Anna, Giuma vivem seus dias em seus hábitos da Itália, sua comida, suas brigas e discussões, suas viagens pelo interior, seus amores e paixões. E sob uma narradora que parece uma câmera de vídeo gravando as cenas em close, onde o leitor pode ver o gestual, o olhar e as expressões dos personagens bem de perto.
A forma de narrar é muito interessante, como se um italiano estivesse contando a história, sempre repetindo o que já disse, mas dizendo o que disse em outro sentido, ou reafirmando o que quis dizer. No começo, achei estranho, mas com o virar das páginas a gente vai até se divertindo com aquela forma de narrar, de introduzir personagens, de descrever ambientes e situações.
Enquanto a guerra avança e destrói vidas, sonhos e esperanças, enquanto o regime fascista se esfarela, enquanto mortes e perdas vão acontecendo, os personagens vão chegando ao final com muito mais a se recordar do que a esperançar naquela Itália aliada à Alemanha e que acabou sendo invadida pelos tedescos, até ser libertada pelos ingleses e americanos das forças aliadas.
Ao final da convivência com aquela família, me deparei com uma Itália com muitas destruições em casas, estradas. Com escassez de alimentos, com governos derrubados, com a vergonha da derrota e alívio da população. Mas, ao final, o que fica é uma família e por que não uma nação que se consola com suas histórias vividas, seus dramas familiares, suas recordações, lutas, sonhos e aspirações que existiam.
Ao final da guerra e do fascismo, o que aquele povo tinha era apenas todos os ontens e muito pouco do amanhã. Pouca esperança e muitas recordações. Os sobreviventes tinham muitas histórias para contar e lembrar. E ao mesmo tempo, diante daquele mundo novo, aparentemente livre, tinham muito a aprender para enfrentar o que viria.
Todos os nossos ontens encanta, acalenta e diverte. Todos os nossos ontens surpreende com a forma inusitada com que a brilhante autora Natalia Ginzburg narra o dia-a-dia daquela família. Todos os nossos ontens nos transporta ao seio das famílias italianas e nos faz entender como os bons costumes de um povo sobrevivem a tiranias, guerras e desalentos e nunca deixam de ser o alicerce para toda reconstrução de uma nação com seu povo que não esquece todos os seus ontens.
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